‘A grande formação do catequista é sua experiência com Jesus’

Segundo estimativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nas comunidades do país há aproximadamente 850 mil catequistas. Destes cerca de 820 mil são mulheres. Geralmente pessoas simples, sem formação em teologia e pedagogia, que abraçam com amor a responsabilidade de educar na fé. Nesta entrevista, o padre Eduardo Calandro, que de 15 a 18 de junho ministrou o curso Psicopedagogia Catequética, fala sobre a missão da Igreja em preparar seus catequistas para os desafios da evangelização no mundo de hoje. Padre Calandro é doutorando em Teologia Pastoral na PUC-Rio e Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, além de integrar a Comissão Pastoral para Animação Bíblico-Catequética da CNBB pelo regional Centro Oeste.

É possível educar a fé de uma pessoa?
Padre Eduardo Calandro:
A fé é dom de Deus, é de graça, vem gratuitamente até nós. No entanto, se ela não for cultivada, cuidada, ela não se desenvolve. É como uma pequena semente lançada. Quantas sementes foram lançadas e não se desenvolveram porque faltou cuidado? O mesmo acontece com a fé. A fé passa por um processo de desenvolvimento. Se for uma criança, temos que pensar uma fé que ajude a viver este momento. Quando adolescente, ele vai ter necessidades próprias da adolescência e um jeito próprio de experimentar a fé. Quando jovem, a idade dos sonhos como a psicologia gosta de dizer, ele vai ter um outro jeito. Então a fé passa por fases, como a vida passa por etapas. Por isso em cada momento da vida há a necessidade de pensar um jeito de educar a fé. Então com certeza a fé é dom de Deus, mas tem a necessidade de passar por um processo de educação, porque ela vai se desenvolvendo ao longo da história da pessoa.

A realidade das nossas catequistas é que muitas vezes são mulheres muito simples, muitas não fizeram nenhum curso de preparação, não têm uma formação pedagógica. Qual é a importância da formação dessas pessoas dentro das comunidades?
Padre Calandro:
De fato o catequista é o educador da fé. Sempre falamos em começar na família, mas nem sempre acontece. A realidade que temos hoje na catequese infantil e na catequese com adolescentes e jovens não mostra que a família está sendo a educadora na fé. Essa responsabilidade está indo para as comunidades mesmo. E o grande responsável é o catequista. Por isso a necessidade de prepararmos cursos, textos – nada muito longo e sempre pensando na prática, porque são homens e mulheres que estão na prática –, instrumentos que ajudem a pensar a ação da catequese, porque a ação da catequese é uma pedagogia. Não dá para você fugir, porque é ensino, e todo ensino tem que ter um conteúdo. E todo conteúdo tem que ter um jeito de transmitir, então vem a necessidade de formação. A necessidade é de pedagogia, de conteúdo e de transmissão. Se faltar algum desses, o processo de transmissão da fé está falho.

O curso no Centro Loyola irá abordar a catequese em diferentes fases da vida. A gente vê em algumas paróquias a pré-catequese, funciona começar bem pequenininho? E a catequese para idosos?
Padre Calandro:
A grande ideia é começar no ventre materno. Vou falar disso no curso. A partir da 12ª semana de gestação, nós poderíamos pensar em uma catequese. Acabei de escrever com a Ghislaine Cantini um material sobre isso. Nós fizemos um livro com nove encontros para fazer com as mães gestantes, preocupados não tanto com as mães, entre aspas, mas com a criança no ventre delas. A partir da 12ª semana de gestação, todo o sistema nervoso, auditivo, está formado, e tudo o que a mãe sente e ouve a criança experimenta. Agora é claro que uma catequese mais prática, na comunidade, eu diria que pode começar aos 3 anos, de 3 para 4 anos. Tenho experiência prática com isso. Os de 3 e 4 anos são os mais fiéis, são os que mais gostam de estar na catequese. É frutuoso porque no terceiro e quarto ano a criança está começando a formar a sua identidade. Não é personalidade, é identidade. O que é identidade? É aquilo com o que eu me identifico. Claro que tem que saber como fazer esse encontro. Eu começo a mostrar Jesus como alguém que é próximo, que é amigo, como que cuida, e a criança vai tendo um processo de identificação com ele. Ao mesmo tempo começa a formar um grupo de amigos na comunidade. Hoje nós sabemos que acriança começa muito cedo a frequentar os grupos escolares, então na comunidade nós devemos fazer isso: “aqui é um grupo comunitário onde nós vamos refletir sobre a presença de Jesus entre nós na Igreja”. Isso traz uma força no futuro que as pessoas não têm ideia. São Francisco Xavier, quando foi evangelizar a China, não escolheu os adultos, escolheu as crianças a partir dos 3 anos. Isso no século XVI. Pensa bem a intuição que este homem teve. Ele formou uma identidade crística. Então credito que a gente pode começar no ventre materno e, depois, na comunidade, a partir dos 3, 4 aninhos até a idade idosa, que também tem necessidade de educação na fé, de experimentar a fé. O curso vai fazer isso. A nossa proposta é cada dia olhar para um período da vida: ventre materno, primeira e segunda infância; pré-adolescência, adolescentes, adolescência tardia; juventude; adulto e pessoa idosa.

Que desafios o senhor percebe na catequese hoje, com tanta perda de valores, violência, consumismo, famílias em conflito?
Padre Calandro:
A primeira coisa é superar a catequese de sacramentos. Catequese não é para Primeira Comunhão, para Crisma, para Batismo. Catequese é para fazer itinerário de processos para educação da fé. Esse é o primeiro desafio. E isso vai começar na nossa linguagem. Andando por aí, em muitos lugares, ainda encontro paróquias onde está escrito: “Matrículas abertas para a Catequese”. É uma ideia muito escolar, a qual já está totalmente superada, ou “Catequese para a Primeira Eucaristia”. Não se faz “Catequese para…”, se faz catequese em um processo de educação da fé, e o sacramento acontece. Então o primeiro desafio é superar a sacramentalização. O segundo desafio é implantar uma catequese de iniciação à vida cristã, com a inspiração catecumenal, e esse é o segundo desafio do Brasil todo. O terceiro é fazer com que as pessoas participem dessa catequese e sejam inseridas na vida comunitária, porque senão não tem sentido fazer catequese. O grande objetivo da catequese é a inserção na vida comunitária. No Brasil hoje temos esses três desafios: superar a sacramentalização; a implementação da iniciação à vida cristã; e a inserção dessas pessoas – seja criança, adolescente, jovem ou adulto – na vida comunitária.

Pegando esse ponto de iniciação à vida cristã, o que pode ser trabalhado neste aspecto específico quando se quer sair da ideia de uma catequese voltada só para os sacramentos?
Padre Calandro:
Querigma, o anúncio explícito da pessoa de Jesus Cristo. Ou seja, o que significa o Querigma? Está em Atos dos Apóstolos, capítulo 2, versículo 42: aquele que viveu (o ministério de Jesus), morreu (o mistério da paixão e morte) e ressuscitou (está vivo e presente na comunidade). Esse é o grande eixo que devemos tomar como ponto de partida para a ação evangelizadora, passa pelo Querigma. Depois nós podemos aprofundar, mas tudo passa pela pessoa de Jesus Cristo. Porque aqui não falamos de uma filosofia de vida. A nossa proposta cristã não é filosofia, é projeto de vida. Jesus Cristo é um projeto de vida. O processo da evangelização, o itinerário da evangelização, traz um caminho que ajuda a pessoa a fazer esse contato pessoal, mas comunitário com Jesus Cristo. Não é intimista, subjetivista. Eu tenho esse contato pessoal, mas tenho depois um segundo passo, me insiro em uma comunidade. Então ele é comunitário também. E aí vem a transformação que é o Reino de Deus.

O que é mais importante para uma pessoa ser catequista? O que ela precisa ter e saber?
Padre Calandro:
Para ser catequista tem que gostar de gente, sempre digo isso nos cursos por aí. Depois de gostar de gente, de estar na comunidade, de amar a Igreja, aí sim ela precisa que se preparar. Acredito que a grande preparação é sua experiência com Jesus Cristo. O catequista não precisa ser um grande teólogo, um grande doutor, um grande pensador, mas que seja uma pessoa de testemunho na comunidade. É claro que aprofundar, estudar, refletir, pesquisar, tudo isso ajuda muito, mas acima de tudo estamos carentes de pessoas que sejam testemunhas da fé. Então o catequista precisa gostar de gente, refletir, estudar, mas acima de tudo precisa ser testemunha da fé aonde ele está inserido, aonde ele frequenta. E uma dica é que eu acho que vale a pena a gente aprofundar a vida de Jesus Cristo através do Evangelho de Marcos. Talvez esse seja o grande caminho para o catequista. Ele já tem esse contato, essa experiência com Jesus Cristo, mas precisa aprofundar. O Evangelho de Marcos é um caminho muito interessante, querigmático, para poder aprofundar a vida de Jesus e ser testemunha desta vida.

O senhor poderia dar uma dica de onde a pessoa que quer se aprofundar como catequista pode buscar formação, além dos cursos?
Padre Calandro:
O primeiro passo é a pessoa ir naquilo que é a fonte da Igreja, os documentos eclesiais que nós temos. Temos documentos riquíssimos e belíssimos produzidos pela Conferência Episcopal, pela Comissão de Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Temos na própria CNBB um site com vários artigos de catequese, produção nossa, da nossa comissão. Quer estudar sobre iniciação à vida cristã, estuda o documento 97 da CNBB. Quer ver como é a prática da iniciação à vida cristã? Tem um livrinho que acabou de sair, que se chama Itinerário Catequético, uma produção também da CNBB. Depois, é claro, existem diversos sites por aí que ajudam, mas eu acho que a gente não pode perder a fonte. Todos os outros se inspiram nessa fonte. Então a fonte é olhar para os documentos da Igreja.

2 Comentários

  1. Pingback:A formação dos catequistas em questão | Observatório da Evangelização

  2. Catequistas homens precisam de mais incentivos.