Artigo: Evangelizar não é uma questão de orgulho ou honra, mas um imperativo

Evangelizar não é uma questão de orgulho ou honra, mas um imperativo (1Cor 9,16). Na celebração dos cinquenta anos do Vaticano II, um dos temas que inquieta a igreja é a evangelização e, não raro, os modos, métodos e estratégias inadequadas dos seus protagonistas. A evangelização não acontece com “padres de carteirinha ou bispos de aeroporto. Os pastores devem ter três atitudes fundamentais: acolher, caminhar junto e permanecer com o rebanho”.

O apóstolo Paulo entendeu que a missão exigia uma saída na direção das ovelhas e não uma espera. A ovelha perdida tem mínimas chances ou não tem mais condições de reencontrar o rebanho por conta própria, por isso, ela só pode ser resgatada pela compaixão do seu pastor. O evangelizador é aquele que se sente ungido e enviado pelo Espírito do Senhor para evangelizar os pobres, libertar os presos e oprimidos, restituir a vista aos cegos e anunciar tempos novos de graça e verdade (cf. Lc 4,18-19; Is 61,1-2). Foi nesse mesma perspectiva que os cristãos da Antioquia entenderam a presença e a inspiração para o envio de Paulo e Barnabé para a missão entre os pagãos: disse-lhes o Espirito Santo – “Separai para mim Barnabé e Saulo, para a obra que lhes destinei” (At 13,2).

Duas afirmações de Paulo servem como introdução à nossa colocação: a primeira – Batizar ou evangelizar (1Cor 1,17)? A segunda: “Ai de mim se não evangelizasse!” (1Cor 9,16). A Igreja da América Latina e Caribe, em Aparecida, São Paulo, 2007, tentou refletir sobre os desafios atuais da evangelização e das novas formas de apresentação do Quêryma com o lema: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que, nele, os nossos povos tenham vida. Este lema suscita uma volta às fontes e um resgate dos princípios norteadores da Igreja da primeira hora, a fim de, espelhados nela, os missionários/as de hoje possam perceber o que pode ser feito melhor, o que pode ser aprimorado e o que ainda pode ser acrescentado naquilo que já está sendo feito.

Em cada época e lugar, faz-se mister retornar às fontes e, nessa busca de fundamentação, “o que se exige da Igreja é que anime a comunidade humana, com a força perene e divina do Evangelho, num mundo que se gloria de seus progressos técnicos e científicos, embora sofra de profunda carência ética, que procura sanar independentemente de Deus”. O Espírito é o mesmo e sopra onde quer, esse Espírito que o mundo não pode conhecer (Jo 14,17). Sob a força e ação deste Espírito da Verdade, a Igreja recomeça, renova, retoma seu ponto de partida para atualizar e revigorar seu trabalho apostólico, catequético e querigmático. O grande trabalho do evangelizador é buscar, nas origens, o provável e o possível sentido da missão que Jesus quis passar aos discípulos.

Para encarnar melhor, na realidade atual, a mesma missão que Jesus confiou aos apóstolos, faz-se mister chegar ao sentido mais próximo das fontes, e, é preciso ir até elas e beber das mesmas, com o auxílio dos instrumentos e métodos que as ciências bíblicas, histórica e antropológicas que o passado e o presente oferecem. Essa volta ao passado é um imperativo para as novas hermenêuticas e a confrontação com os novos paradigmas sempre em movimento e mudanças.

O resgate do passado é um debruçar-se sobre os desafios do futuro, e as respostas oferecidas ao mundo de ontem não podem ser as mesmas oferecidas ao mundo de hoje. Não obstante o ponto de partida para as respostas do ontem seja o mesmo para as respostas do hoje e do amanhã, mas as circunstâncias são muito diferentes e essas determinam o olhar de investigação e interpretação. Assim, o retorno às fontes é uma exigência de cada tempo e momento. Beber das fontes é a certeza de beber água pura, água verdadeira e água viva (Jo 4,14).

A Igreja Latino Americana, hoje, se depara com novos imperativos pastorais e bíblicos, face a realidade sócio-política e econômica em que vivem seus habitantes. A Sagrada Escritura, que tanto tem iluminado e ajudado as comunidades nestes cinco séculos de presença na formação de Comunidades Eclesiais, de Círculos Bíblicos, de grupos de leitura bíblica e investigação acadêmica, precisa voltar com mais vigor às mãos dos homens e das mulheres de boa vontade a fim de revigorar o caráter missionário e evangelizador em prol dos tempos e exigências hodiernas.

Isidoro Mazzarolo
Pós-Doutor em Exegese Bíblica pela École Biblique et Archéologique de Jerusalém
Professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio

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